Quer ganhar 1 milhão de dólares usando apenas os neurônios? Basta resolver um dos sete maiores desafios da matemática contemporânea. O prêmio para quem solucionar cada um dos Problemas do Milênio – como são chamadas as questões que o século XX não conseguiu destrinchar – é oferecido pelo Instituto de Matemática Clay, organização fundada em 1998 para disseminar o estudo da matemática.
E você achava que a matemática era uma ciência esotérica e que não dava dinheiro, mude seus conceitos. A solução desses sete problemas em aberto pode ter um valor ainda maior que os 7 milhões de dólares (um milhão para cada problema), pois a quantidade de teorias e aplicações práticas que dependem deles é enorme.
A oferta do Clay está de pé desde 24 de maio de 2000, quando os problemas foram apresentados no Collège de France, em Paris. Nesse mesmo local, em 8 de agosto de 1900 – quase cem anos antes –, o matemático alemão David Hilbert havia feito uma conferência no Segundo Congresso Internacional de Matemática que entrou para a história das ciências. Em sua apresentação, Hilbert expôs 23 problemas de matemática então sem resposta e afirmou que eles seriam o principal desafio dos matemáticos do século XX. De fato, foram. A maioria dos problemas de Hilbert está resolvida, embora alguns ainda atormentem as mentes matemáticas mais brilhantes do mundo. Segue alguns dos problemas abertos.
Vai Encarar?
HIPÓTESE DE RIEMANN
O primeiro problema é especificamente sobre números primos. Se você faltou à aula, vale a pena lembrar que números primos são aqueles que só são divisíveis por 1 e por si mesmos.
A seqüência de números primos (2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19 e assim por diante) sempre embatucou os matemáticos, porque parece não ter a menor lógica. Comporta-se como se os primos aparecessem ao acaso. Se alguém soubesse descrever uma regra capaz de dizer quantos primos existem até um certo número, isso poderia ter conseqüências que vão da segurança de computadores até as teorias sobre a origem do Universo.
O alemão Georg Bernhard Riemmann (1826-1866) acreditava ter descoberto uma fórmula para descrever a distribuição dos primos. Essa fórmula já foi testada para o primeiro 1,5 bilhão de números e está correta. Mas isso é bem diferente de provar que ela é verdadeira para todos.
As tentativas de confirmar a hipótese de Riemann já geraram uma quantidade descomunal de matemática. Os mais ousados lançaram mão até de conexões da matemática com a realidade física. Em 1972, o físico americano Freeman Dyson percebeu uma estranha coincidência entre a fórmula de Riemann para os primos e outra fórmula que os cientistas usavam para descrever alguns sistemas da física regidos pela teoria do caos (um exemplo desses sistemas caóticos é a atmosfera terrestre, em que o bater de asas de uma borboleta no Pacífico pode gerar um furacão do outro lado do globo). Essa abordagem física ainda não conseguiu provar a hipótese de Riemann, mas, se conseguir, estará provado também que a seqüência de números primos, mais que uma mera abstração matemática, é uma das leis fundamentais que regem o Universo.
EQUAÇÕES DE NAVIER-STROKES
Já ouviu falar em mecânica dos fluidos? Trata-se de uma matéria que aparece lá pelo terceiro ano da faculdade de Engenharia e costuma reprovar tantos alunos que muita gente desiste de ser engenheiro ali mesmo. Pois um dos problemas de 1 milhão de dólares do Instituto Clay está relacionado a essa disciplina madrasta que trata, basicamente, das ondas nos lagos e das correntes de ar quando atravessadas por aviões a jato. Fluidos como gases ou líquidos são entidades físicas de compreensão extremamente difícil. As equações que tentam descrever o comportamento de objetos no meio dos fluidos, chamadas equações de Navier-Stokes (formuladas por Claude Navier e George Stokes), são conhecidas desde o século XIX. Mas até hoje ninguém conseguiu resolvê-las de modo satisfatório. O problema não está em achar as respostas, mas em saber se essas equações sempre têm alguma resposta que possa ser interpretada de modo razoável na realidade física e se as respostas que conhecemos são as únicas possíveis. Os projetistas de foguetes, que precisam garantir a reentrada das espaçonaves na atmosfera, ou de aviões supersônicos, agradecem.
CONJECTURA DE HODGE
Uma das maiores diversões dos matemáticos é tentar encontrar relações entre teorias que aparentemente nada têm a ver uma com a outra. A geometria, estudo de formas como círculos, triângulos ou retângulos, ganhou um novo fôlego quando René Descartes descobriu que as formas geométricas poderiam ser descritas por fórmulas ou equações da álgebra, capazes de representar os pontos em um plano, depois batizado de plano cartesiano. Desde então, o casamento da geometria com a álgebra, que gerou o cálculo, tem sido um dos mais frutíferos da matemática. Em 1950, no Congresso Internacional de Matemática, o americano William Vallance Douglas Hodge (1903-1975) fez uma apresentação que promete levar esse casamento ainda além. Hodge sugeriu que as equações capazes de descrever determinados formatos cíclicos em várias dimensões poderiam ser geradas a partir de formas geométricas mais simples, similares a curvas. Se isso soa muito complicado, não desanime. A conjectura de Hodge, se provada, trará mais gente para a família, fundindo topologia, cálculo, geometria e álgebra. Seu impacto no futuro poderá ser ainda maior que o do plano cartesiano, que todo aluno do ensino médio precisa enfrentar. (Para quem já esqueceu, o plano cartesiano compõe-se de uma reta horizontal, o eixo x, e outra vertical, o eixo y, que se cortam num ponto.) Quem sabe, daqui a 50 anos Hodge não será assunto de sala de aula e algum aluno do colegial não será capaz de levar para casa 1 milhão de dólares?
Se esses, ou algum dos outros Problemas do Milênio, continuará em aberto nos próximos 300 anos, ninguém sabe. Quem sabe, o prêmio acabe acelerando as coisas. Vai se arriscar?
Fonte: Revista Super Interessante, Setembro 2002
Thaís Barbosa
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